01/09/2011
MUDANÇAS NA DISTRIBUIÇÃO DE PAPEL
As pessoas com mais de 50 anos devem lembrar-se de
que, nas décadas de 50/60, todo estudante, ao terminar o curso ginasial, era
presenteado com caneta Parker 21. Quem concluía o científico, ou o clássico, ou
o normal, recebia a modelo 51. No final dos cursos, a maioria era premiada com
a Parker 61, o máximo na linha das canetas-tinteiro, o suprassumo que alguém
pudesse almejar.
Essas canetas eram consideradas verdadeiras joias
pelo alto custo e pelo valor sentimental que representavam. Lembro-me de que,
certa vez, uma Parker sumiu em minha escola e a diretora ordenou que todos
fossem revistados. A indignação e a revolta dos alunos foram violentas. No
final da revista, não foi encontrada a joia. Só no dia seguinte, o denunciante
do suposto furto teve coragem e honestidade bastantes para informar que
esquecera a caneta em casa e desculpar-se do imbróglio. Apesar de correto e
honesto, o desmemoriado sofreu, por algum tempo, muitas restrições dos colegas
inconformados com a humilhação sofrida.
Algum tempo depois, ocorreu o lançamento da caneta
esferográfica, de custo insignificante, prática, de funcionamento perfeito que,
sem dúvida, condenou a Parker ao esquecimento em quase todas as áreas da
atividade humana.
No princípio, a esferográfica teve dificuldade de
aceitação porque interesses comerciais criaram obstáculos de toda natureza,
tais como, exemplificativamente: o uso dela favoreceria fraudes no
preenchimento de cheques e na redação de documentos manuscritos; o texto com
ela redigido seria facilmente apagado e substituído por outro do interesse do
falsificador. Era uma série imensa de inverdades bem elaboradas para amedrontar
incautos.
O correr do tempo encarregou-se de comprovar que, na
verdade, a caneta- tinteiro estava superada e, de certa forma, obsoleta,
cabendo, aos seus fabricantes, conformarem-se com a imperiosa alternativa de
produzir esferográficas, o que ocorreu como mostram os dias de hoje.
Isso leva-nos a meditar sobre outras mudanças e
transformações muito mais significativas e decisivas, que devemos aceitar,
queiramos ou não, impostas pela globalização e que podem atingir-nos. Elas
alcançam, rápida e amplamente, todos os quadrantes e influem decisivamente até
na mudança de costumes seculares de sociedades infensas a novidades. Há muito,
já se comenta que o papel de imprimir e escrever será a caneta-tinteiro dos
próximos anos, pois com a internet e os livros eletrônicos as novas gerações
não vão querer ler jornal ou livro impressos.
Muitos discordam dessa previsão, até com um toque de
ironia, porém o mais sensato é que todos envolvidos na distribuição de papel
tenham os pés no chão e admitam essa possibilidade para, desde já, buscar
alternativas para o futuro.
O dia a dia convive com exemplos marcantes: os jornais do mundo todo
reduzem as tiragens ano a ano; as revistas são lidas cada vez mais nos meios
eletrônicos. Quanto às listas telefônicas, em franca agonia, quem se dá ao
trabalho de consultá-las se, no "site" da operadora, com alguns
toques no teclado, o consulente tem a informação?Sintomas não faltam
para justificar a preocupação, que não é utópica.
Se admitirmos que os leitores de jornais, livros e
revistas impressos, dificilmente abandonarão seu tradicional hábito, também
devemos aceitar que as novas gerações não vão dar continuidade a essa prática
que será, em futuro próximo, considerada arcaica e inaceitável.
Muitos alegam que a informática demorará para atingir
a maioria da população brasileira. Mas, em contrapartida, deve-se considerar
que os preços dos computadores, que dão acesso à internet, estão despencando e
a presidenta Dilma tem como uma das metas a inclusão digital. As escolas
particulares e algumas públicas já utilizam meios eletrônicos, que aumentam
vertiginosamente ano a ano.
Talvez tudo isso que escrevo não passe de exercício
de futurologia, mas as evidências devem levar-nos a pensar no assunto, com
realismo, para que em breve as distribuidoras de papel não sejam atropeladas
por uma esferográfica qualquer.
Vicente Amato Sobrinho
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